Artigo publicado na Gazeta em 27 de junho de 2021.
A transição para uma economia verde, que reduza as emissões de poluentes e respeite os limites do planeta, pode ser o caminho para um novo ciclo de desenvolvimento do Brasil. O país já conta com uma matriz energética que é das mais limpas do mundo, com 46% de fontes renováveis, contra média mundial de 14%. Temos a maior biodiversidade do planeta e podemos liderar essa agenda em nível global.
O primeiro passo talvez seja superar uma falsa guerra de narrativas, que nos põe em oposição aos países mais desenvolvidos.
Estados Unidos, China e França lideram atualmente uma agenda global contra as mudanças climáticas. No extremo oposto, estaríamos nós, o Brasil, ao lado da Bolívia e do Congo, como os campeões do desmatamento. Certamente não podemos nos conformar com essa posição. Não é assim que desejamos ser vistos pelo resto do mundo.
Em janeiro, o presidente da França disse algo assim: “Depender da soja brasileira é endossar o desmatamento da Amazônia”.
O desmatamento no país é um problema real que precisa ser enfrentado. Mas a soja brasileira é produzida de forma sustentável desde 2008, graças à Moratória da Soja, pacto ambiental de reconhecimento internacional que envolve entidades representativas dos produtores, ONGs e o próprio governo.
Precisamos enfrentar essas desinformações e recuperar o protagonismo nessa agenda global.
A transição verde é importante não somente para cumprirmos compromissos internacionais, como o Acordo de Paris, assinado em 2015, em que prometemos reduzir as emissões de gases de efeito estufa, ou a Agenda 2030, em que nos comprometemos com a adoção de consumo e produção sustentáveis.
Essa transição verde é também um caminho importante para gerar emprego e renda e ampliar o acesso a bens e serviços essenciais, como é o caso do setor de saneamento.
O valor da chamada economia verde ainda é incerto, mas o mercado financeiro e consultorias de renome como a PwC têm trabalhado com o relatório da GSIA (Global Sustainable Investment Alliance) que estima que os investimentos sustentáveis já movimentam US$ 31 trilhões, ou cerca de 35% do PIB mundial, como mostra recente reportagem da revista Istoé Dinheiro[1].
Nos próximos anos o país vai ter um enorme desafio em questões ambientais. A agenda ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês) não é um modismo, como mostra a cifra acima. Precisaremos enfrentar esse desafio para sermos ouvidos no mundo, e ele está estreitamente relacionado com a questão da infraestrutura sustentável.
A não ser em setores muito particulares, como o de telecomunicações, o país tem lacunas graves de infraestrutura. E suprir essas lacunas demandará investimentos pesados na chamada infraestrutura “climate-friendly”, ou “amigável em relação ao clima” – na prática, são investimentos para geração de energia limpa ou qualquer estímulo a práticas sustentáveis na agricultura ou na pecuária, em tecnologias de saneamento, construção civil sustentável, meios de transporte com menos emissões, entre outros.
Como esses investimentos são, normalmente, de longuíssimo prazo, e envolvem áreas muitas vezes em estágios incipientes de desenvolvimento, com tecnologias inovadoras, o capital privado, isoladamente, não consegue alimentar os agentes econômicos com o volume de recursos necessários.
Nesse contexto, é essencial a atuação do Estado na condução desse processo, tendo o BNDES como referência.
O banco já é uma referência mundial na condição de financiador de infraestrutura sustentável. O Fundo Amazônia é um bom exemplo: ele tem o objetivo de captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento. O BNDES faz a gestão do Fundo, responsabilizando-se pela captação de recursos, contratação e monitoramento dos projetos e ações apoiados.
O BNDES foi ainda a primeira instituição financeira do país a emitir um título verde, o chamado “Green Bond”, no mercado internacional, e tem expertise e mecanismos para atrair o capital privado para esse tipo de investimento, pelo processo conhecido como “crowding-in”.
O BNDES sozinho, porém, não conseguirá avançar nessa agenda, sem o apoio expresso de lideranças do Executivo e do Legislativo.
A transição verde é uma avenida que se abre para o desenvolvimento do país. Reunimos todas as condições para assumir um protagonismo global nesse debate. Temos a maior biodiversidade do planeta: são seis biomas terrestres e três grandes ecossistemas marinhos que abrigam cerca de 20% das espécies do globo. Quase 60% do território do país é ocupado pela Floresta Amazônica, a maior floresta tropical úmida do mundo.
Parece evidente que as discussões sobre o nosso processo de desenvolvimento tenham o meio ambiente como pauta central. Só falta nos organizarmos internamente para assumir esse protagonismo global.
Intrigante e relevante este pensamento “verde”. Se eu pudesse fazer um paralelo desta “avenida” entre as empresas e o indivíduo, eu a faria nominando-a como uma utopia, tal qual a utopia Cristã – de sermos tal qual nosso salvador. Num país com 80% de Cristãos, palavra que significa “pequenos Cristos”, somos ensinados a perseguir o ideal de sermos como Jesus, ou seja, uma utopia cristã, mas que desejamos percorrê-la. Assim também é a filosofia da transição verde. Uma utopia organizacional, mas que devemos desejar e vivenciar. Idealmente que não seja apenas uma transição, mas um hábito intrínseco de sermos seres organizacionais que promovam todo e qualquer tipo de negócio nos quais o capital seja alcançado desde que promova um futuro desejável para o planeta e as suas próximas gerações.