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Precificação do carbono como instrumento de redução das emissões


por Mariana Maria

A precificação do carbono, nas suas diferentes formas, tem sido adotada de maneira crescente pelos países que desejam reduzir suas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs). Considerado pelos especialistas uma medida fundamental para sinalizar a necessidade de descarbonização, existem atualmente 52 iniciativas já em execução e 6 agendadas para iniciar ou em processo de avaliação[1], correspondentes a 71 jurisdições (entre países, Estados e cidades).

Todavia, uma das principais limitações está na dificuldade de aceitação dos cidadãos do aumento do preço, por exemplo, de combustíveis fósseis como medida de redução de emissões. Os protestos na França iniciados ao final de 2018 e que tiveram como estopim o imposto sobre o carbono anunciado pelo presidente Emmanuel Macron é uma amostra dessa dificuldade. O estopim dos protestos é apenas a “ponta do iceberg” de uma crise política, econômica e social mais profunda que se arrasta pelo menos desde a crise de 2008, mas que demonstra que a população ainda pode ter muita resistência em entender que desenvolvimento econômico e social sem o combate às mudanças climáticas já não é mais possível, e deixa evidente que não é possível aos governos imporem medidas impopulares sem um diálogo franco e embasado para que as pessoas se aproximem das discussões e entendam o problema climático. Quando voltamos os olhos para os países em desenvolvimento, essa dificuldade é ainda maior e também traz mais dificuldades às lideranças políticas.

Uma das iniciativas de precificação do carbono que está em estudo é a brasileira. Em 2014, o governo brasileiro submeteu ao Partnership for Market Readiness (um fórum do Banco Mundial que tem como objetivo preparar e dar suporte às políticas de mitigação climática) sua proposta de analisar possíveis instrumentos de precificação de carbono. O país, entretanto, tem demorado em transformar as análises em ações. Entre os latino-americanos México, Argentina, Colômbia e Chile já estão com instrumentos em vigor ou em vias de começar (Figura 1).

Figura  1– Iniciativas de precificação de carbono a nível regional, nacional e subnacional.

Fonte: Banco Mundial.

A precificação do carbono é um instrumento que procura internalizar o impacto negativo ocasionadas pela emissão dos GEEs, as chamadas “externalidades negativas”. Externalidade é um conceito econômico para os efeitos sociais, econômicos e ambientais indiretamente ocasionados pela venda/ uso de um determinado produto ou serviço. Os efeitos deletérios provenientes da queima de combustíveis fósseis não são comumente precificados na economia, a despeito dos altos custos que impõem às economias como o aumento do gasto em saúde a partir da poluição ou de eventos climáticos extremos, os danos às plantações, o gasto de reconstrução em caso de inundações, entre muitos outros.

As incontestáveis evidências científicas da presença do processo de aquecimento global vêm obrigando os países a tomarem medidas mais incisivas para internalizar esses custos, bem como incentivar a inovação tecnológica e investimentos em direção a uma economia de baixo-carbono[2].

A adição de um preço ao carbono é um instrumento interessante ao transferir parte do ônus dos danos causados pelas emissões de GEE àqueles que são os responsáveis por essas emissões, bem como pode ser um meio efetivo de reduzi-las por imputar um desincentivo financeiro ao emissor. Esse instrumento tem sido defendido como uma medida fundamental para o combate às mudanças climáticas, pois não define de forma arbitrária quem deve reduzir emissões ou como isso deve ser feito[3].

A precificação do carbono pode ser, de modo geral, de duas maneiras: quantidade e preço. Precificar o carbono a partir da quantidade significa estabelecer uma quantidade máxima de poluição permitida. Os agentes econômicos que desejam emitir devem possuir uma permissão adquirida a partir do governo, ou por leilões, ou também comprada em um “mercado de carbono”, como é o caso dos Emission Trading System (ETS). O ETS é um sistema em que os emissores podem comercializar unidades de emissão para fazer frente às suas metas. Nesse sistema, a oferta e demanda de unidades de emissão cria um preço de mercado às emissões de GEEs. A segunda maneira mais comum é o estabelecimento de um preço direto ao carbono, ou mais especificamente, uma taxa ao conteúdo carbônico em combustíveis fósseis, o que seria um imposto sobre a tonelada de CO2 emitida. Qual tipo de instrumento escolher é específico a cada contexto nacional, dependendo fortemente de cada jurisdição, das prioridades políticas nacionais e também da capacidade institucional de cada país.

Como enunciado, a inserção em muitos países da precificação do carbono é politicamente complicada, devido ao impacto imediato no aumento de preços-chave para as economias, dado que o aumento dos custos de atividades poluentes é bastante visível, enquanto os impactos e os benefícios que podem advir da precificação não.

Na esfera mais técnica e econômica, a precificação também é alvo de algumas críticas a sua efetividade, especialmente quando usados como única política para reduzir emissões. Dada a complexidade da questão climática, que envolve muitos atores heterogêneos e uma inércia não só econômica, mas fortemente institucional e tecnológica em relação à queima de combustíveis fósseis, a presença única e exclusiva de instrumentos monetários não parece ser suficiente para aumentar as chances de uma transição energética de baixo-carbono, havendo a necessidade de um conjunto de políticas que vá além da precificação do carbono (LAMPERTI et al., 2018).

De qualquer maneira, há um crescente consenso entre autoridades e o mercado de que a precificação do carbono é fundamental para a descarbonização e cumprimento das metas do Acordo de Paris, construindo um desenvolvimento mais sustentável. Um lado pouco explorado dos benefícios de seus benefícios é que esse tipo de medida pode se tornar uma importante fonte de recursos que podem ser redirecionados para projetos de adaptação e mitigação às mudanças climáticas e outros problemas ambientais.

Como afirmado, o governo brasileiro vem há algum tempo considerando e analisando a possibilidade de adotar algum instrumento de precificação de carbono, mas a transformação do conhecimento em ações tem sido lenta. A proposta brasileira para o estudo de potenciais instrumentos repousa na possibilidade de inserir à Política Nacional de Mudança Climática (PNMC) uma medida do tipo após 2020 (MINISTRY OF FINANCE, 2017). O documento ressalta que, se verificada a viabilidade dessa proposta, o governo se compromete a estudar de que maneira um instrumento de precificação de carbono poderia ser adotado (quantidade, preço ou uma combinação dos dois).

Desde então, o governo brasileiro e órgãos de pesquisa têm realizado alguns estudos com o intuito de simular possíveis efeitos da inserção desses mecanismos. Alguns exemplos são os relatórios produzidos pelo Centro de Estudo Integrado sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (COPPE/UFRJ) por meio do projeto IES BRASIL[4]. Segundo o relatório técnico apresentado que constrói cenários até 2030, um panorama em que o governo brasileiro adota uma taxa sobre o carbono (chamado de ‘cenário de mitigação adicional’) apresenta um crescimento do PIB ligeiramente abaixo de um cenário sem a adoção da taxa (PEREIRA JR.; CUNHA; SANTOS, 2016). Isso se daria nos primeiros anos da adoção por a taxação penalizar inicialmente a estrutura produtiva estabelecida. Todavia, o relatório também destaca os possíveis ganhos de eficiência e produtividade auferidos a partir de medidas de mitigação ambiental, além do aumento da geração de postos de trabalho que seriam criados pelo setor de biomassa e biocombustíveis, setores esses intensivos em mão de obra em contraponto ao setor de energias fósseis que é intensivo em capital.

O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) também realizou alguns estudos com o projeto “Opções de Mitigação de Emissões de Gases de Efeito Estufa em Setores-Chave do Brasil”, que contou com auxílio financeiro do Global Environment Facility (GEF) e foi realizado em parceria com a ONU Meio Ambiente (MCTIC, 2017). O projeto tinha por finalidade auxiliar a tomada de decisão para redução de emissões em setores importantes da economia brasileira e apresenta simulação de um cenário de adoção de precificação de carbono da economia compatível com a meta de redução de emissões comprometidas pelo país. Segundo o relatório, o Brasil somente conseguirá cumprir suas Nationally Determined Constributions (NDC) apresentadas no Acordo de Paris, a partir da internalização do preço de carbono na economia na ordem de U$$10/tCO2, valor já abaixo do patamar estabelecido pelo mercado de carbono da União Europeia.

A adoção de um imposto sobre o carbono não precisa necessariamente significar uma maior oneração aos cidadãos e empresas, como afirmou o especialista financeiro do grupo de mudanças climáticas do Banco Mundial, Alexandre Kossoy, em uma entrevista em 2017 à Folha de São Paulo[5]. No Chile, no México e na Colômbia, a introdução da precificação do carbono a partir de uma taxa fez parte de uma reforma fiscal mais ampla, em que o imposto sobre o carbono foi introduzido e outros impostos que incentivam atividades intensivas em carbono foram reduzidos ou eliminados. O fato é que a atual oitava maior economia do mundo não pode ignorar a possibilidade de construir mecanismos eficientes de mitigações climáticas, “o momento para tomar alguma atitude é agora. Em cinco anos será tarde para falar disso”, afirmou Alexandre em 2017. O grande desafio é político. Primeiro entender que a não-ação pode gerar consequências econômicas e sociais a médio e longo-prazo muito maiores do que as vantagens econômicas imediatas de permanecer no status quo. Segundo, conciliar demandas econômicas e sociais latentes e correntes de um dos países com maior desigualdade social do mundo com demandas ambientais futuras que ainda são vistas por grande parte da população e pelos governantes como dissociáveis da lado econômico e social.

Referências

LAMPERTI. F. et al. And Then He Wasn’t a She: Climate Change and Green Transitions in an Agent-Based Integrated Assessment Model. Pisa: [s.n.], 2018.3904123491.

MCTIC. Trajetórias de Mitigação e Instrumentos de Políticas Pùblicas para Alcance das Metas Brasileiras no Acordo de Paris. Opções de Mitigação de Emissões de Gases de Efeito EStufa em Setores-CHave do Brasil Brasília: [s.n.], 2017.9788588063440.

MINISTRY OF FINANCE. BRAZIL MRP IMPLEMENTATION STATUS REPORT ( ISR ). [S.l: s.n.], 2017.

PEREIRA JR. A. O.; CUNHA. S. H. F.; SANTOS. T. Implicações Econômicas e Sociais De Cenários De Mitigação De Gases De Efeito Estufa No Brasil Até 2030. Rio de Janeiro: [s.n.], 2016.9780080925530.

[1] Informações disponíveis no site do Banco Mundial <https://carbonpricingdashboard.worldbank.org/map_data>

[2] Uma economia de baixo-carbono se caracteriza especialmente pelo uso energético intensivo em energias pouco poluentes ou não intensivas em carbono como energia solar, eólica, hidrelétrica, entre outras.

[3] Mais informações podem ser encontradas na página do Banco Mundial: <https://carbonpricingdashboard.worldbank.org/what-carbon-pricing>

[4] Implicações Econômicas e Sociais: Cenários de Mitigação de GEE 2030.

[5] A entrevista pode ser lida na íntegra em <https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2017/10/1924775-brasil-precisa-adotar-taxacao-de-carbono-diz-especialista.shtml>

Mariana Maria é doutoranda em Ciências Econômicas na Unicamp.
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